Trajetórias Profissionais

24 06 2010

Os modelos tracionais de gestão de pessoas, baseados na administração científica, estão pouco a pouco sendo substituídos por modelos mais dinâmicos e condizentes com a crescente complexidade das organizações. Um elemento importante dessa complexidade são as carreiras ou trajetórias profissionais. Ao conhecer melhor essas trajetórias, tanto empresas quanto indivíduos podem se preparar para melhor gerenciá-las em um período de grandes incertezas.

As empresas mais bem estruturadas conseguem estabelecer todo o percurso de crescimento em determinada carreira.

A constatação de que as carreiras têm um final desafia as organizações a definir o destino das pessoas no momento em que baterem a cabeça no teto. O conhecimento da dinâmica das trajetórias na empresa permite uma gestão estratégica dessas trajetórias.

Motivadas pela inadequação dos modelos tradicionais de gestão de pessoas no atendimento às necessidades e expectativas das empresas e das pessoas, a gestão de pessoas pelas organizações passa por grandes transformações.

Buscando alternativas aos modelos tradicionais, pesquisadores da área deparam-se com o conceito de competências individuais. Inicialmente tratado com reserva (poderia ser mais um modismo passageiro?), ele foi se consolidando como uma abordagem capaz de ampliar a compreensão da gestão de pessoas na empresa moderna.

Hoje há um relativo consenso entre os pesquisadores de que a carreira pode ser organizada em trajetórias, ou seja, entendida como a lógica das posições ocupadas pelas pessoas ao longo de suas vidas. Essas trajetórias são estruturadas em torno de responsabilidades, e não mais, como no passado, em torno de cargos e funções. Neste artigo propomos analisar o que são trajetórias de carreiras e sua contribuição para ações que as empresas (e seus profissionais) podem tomar para gerenciá-las.

Trajetórias de carreira

Trajetórias estão associadas às macro-funções da empresa. Identificamos diferentes trajetórias de carreira atreladas aos processos fundamentais, isto é, aqueles que existirão sempre na empresa, não importa qual seja o desenho organizacional. Por exemplo: processo administrativo, gerencial, tecnológico etc.

A empresa deve definir as principais competências de cada uma das suas trajetórias de carreira, de modo que cada uma tenha um conjunto próprio de competências. As pessoas que atuam na mesma trajetória têm atribuições e responsabilidades de mesma natureza. Desse modo, a migração de uma pessoa entre essas atividades é efetuada de forma natural e sem grandes sobressaltos.

Ao mudar de trajetória, a pessoa muda também a sua identidade. Por exemplo: o gerente financeiro de uma empresa, ao se transferir para a posição de gerente de marketing e permanecer, digamos, dois anos nesta posição, caso volte ao mercado de trabalho será reconhecido como um profissional de marketing e não mais como um profissional de finanças.

Competências são as “entregas” das pessoas à organização. Como essas entregas são semelhantes dentro da mesma trajetória, podem ser utilizadas para agrupar as competências exigidas, servindo de baliza na conciliação das expectativas individuais com as necessidades da organização.

Referenciais estáveis

A análise das trajetórias de carreiras também nos ajuda a encontrar referenciais estáveis para a gestão de pessoas, independentemente de a empresa alterar seu intento estratégico ou de se associar a outras empresas. Esse aspecto tem grande importância para orientar o desenvolvimento das pessoas no ambiente volátil em que vivemos.

Na prática, apenas quando ocorrem mudanças substanciais nos macro-processos das organizações é que as trajetórias de carreira mudam. Por sua vez, tais processos só mudam quando a empresa inteira mudar. Temos alguns exemplos para ilustrar este ponto.

Em uma empresa que produz lingotes de alumínio, encontramos quatro trajetórias de carreira: operacional, englobando pessoas que produzem o alumínio; técnica, englobando pessoas que atuam na engenharia de produção, qualidade, segurança e meio ambiente; suporte, englobando as pessoas que atuam em atividades administrativas, financeiras, tecnologia de informação, jurídica etc.; e gerencial, englobando as pessoas com responsabilidades de liderança na empresa.

Essas trajetórias existem desde a inauguração da empresa, ocorrida há quase trinta anos – embora a empresa já tenha passado por quatro revisões de estrutura organizacional e tenha mudado a origem de seu capital. Nos próximos quarenta anos, se a empresa não mudar sua natureza, manterá a mesma estrutura de trajetórias profissionais e de competências exigidas. Por quê? Ao manter a mesma natureza de atividade, sempre haverá pessoas produzindo o alumínio, pessoas efetuando a engenharia, pessoas efetuando atividades administrativo-financeiras e pessoas em posições gerencias.

Suporte à gestão

Independentemente dos possíveis cenários futuros, antevemos que as organizações caminham para uma maior complexidade tecnológica e de relações. As pessoas precisam ser preparadas para contextos cada vez mais exigentes e complexos. Nesse sentido verificamos que as trajetórias podem ser analisadas em função de três momentos bem definidos de seu desenvolvimento.

O primeiro é o início propriamente dito. A entranda na carreira é uma etapa bem clara para empresa e seus profissionais. Quase sempre é possível estabelecer com precisão quais são os requisitos e as condições de acesso à carreira.

O segundo momento é o crescimento. Em geral, as organizações conseguem monitorar bem o início do processo de crescimento das pessoas na carreira. Mas, depois disso, deixam-nas completamente abandonadas. As empresas mais bem estruturadas conseguem estabelecer todo o percurso de crescimento em determinada carreira. Em nossas pesquisas, temos encontrado essa estruturação em carreiras operacionais e técnicas, mas raramente em carreiras administrativas e gerenciais.

O terceiro momento é o final. Aqui as coisas são ainda mais críticas. Raramente as organizações e as pessoas têm clareza sobre ele. Encontramos, em várias empresas, pessoas que já estão no teto de suas carreiras há muitos anos, sem perspectivas de desenvolvimento, bloqueando o acesso das pessoas que vêm crescendo.

A transparência da empresa quanto ao final permite à pessoa preparar-se para outra carreira, que pode inclusive ser em outro lugar. Por exemplo: analisando carreiras de profissionais técnicos sem vocação gerencial observamos que, durante seu processo de crescimento, eles podem ser preparados para outras carreiras como acadêmica, expatriação, montagem do próprio negócio, profissional liberal etc.

A constatação de que as carreiras têm um final desafia as organizações a definir o destino das pessoas no momento em que baterem com a cabeça no teto. A gestão estratégica das trajetórias pode ser definida em função das necessidades da empresa e das pessoas. Agindo dessa maneira, a empresa já começa a preparar o profissional para que ele assuma, no futuro, outra trajetória. Pode também analisar melhor o trânsito das pessoas pela organização e administrar o fluxo nas diversas trajetórias, evitando “congestionamentos” e prevenindo-se contra perda de talentos.

Gerindo a transição

A compreensão das trajetórias de carreira ajuda, por fim, as organizações a gerenciar suas diversas transições. Há três categorias principais de trajetórias, cada uma delas apresentando distintos graus de dificuldade quando de uma transição.

As trajetórias operacionais são aquelas ligadas às atividades-fim da empresa. Exigem o uso do corpo e apresentam um alto grau de estruturação. Em geral, não têm evolução hierárquica. Um dos exemplos mais interessantes é o dos call centers, cuja população apresenta grande mobilidade e baixo nível de aproveitamento interno (menos de 10%). Nos casos bem sucedidos, as empresas recrutam pessoas sem experiência e as treinam. Quando voltam ao mercado, seu valor é maior.

A segunda categoria é a de profissionais, os quais possuem trajetórias ligadas a atividades específicas. Geralmente exigem pessoas com formação técnica ou de terceiro grau. Acreditamos, pela nossa experiência recente, que dificilmente uma pessoa sem o terceiro grau hoje tenha condições de acesso às carreiras dessa categoria. Essas trajetórias não são definidas pela estrutura organizacional da empresa e sim pelos processos fundamentais, tais como administração, finanças, contabilidade, recursos humanos, jurídico etc.

Por fim, a terceira categoria é a de trajetórias gerenciais. Normalmente, são ocupadas por pessoas oriundas das carreiras operacionais ou profissionais que, ao longo do seu processo de crescimento, demonstraram vocação para a carreira gerencial. Algumas empresas recrutam recém – formados sem experiência profissional e os preparam para a carreira gerencial – como se vê nos programas de trainees.

A migração entre trajetórias de naturezas diferentes apresenta muitas dificuldades para a empresa e para as pessoas. Em função disso, é importante estabelecer com precisão os critérios de mobilidade entre trajetórias de naturezas diferentes. Exemplo clássico é a migração do melhor profissional técnico para a trajetória gerencial, e não a pessoa com vocação para ela. Isso ocorre porque a carreira gerencial é vista como “prêmio”, e não como nova carreira ou carreira de natureza diferente. Neste caso, a empresa perde um excelente profissional técnico e ganha um gerente insatisfeito com sua carreira e, na maior parte das vezes, despreparado para ela.

As empresas, de forma natural e espontânea, estão alterando sua forma de gerir pessoas para atender às demandas e pressões provenientes do ambiente externo e interno. Essa reação natural e espontânea possui padrões comuns que caracterizam um novo modelo de gestão de pessoas. Como esse novo modelo é mais eficiente para compreendermos e atuarmos sobre a realidade organizacional, em breve poderemos esperar sua mais ampla disseminação.

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Prof. Dr. Joel Souza Dutra é professor livre-docente da Universidade de São Paulo

Possui graduação e mestrado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – SP e doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo

Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração de Recursos Humanos, atuando principalmente nos seguintes temas: gestão por competências, carreiras, gestao de pessoas, desenvolvimento de lideranças





ADMINISTRAÇÃO DA CARREIRA: UM DIFERENCIAL DE COMPETITIVIDADE

14 06 2010

Em um ambiente tão volátil, como o que vivemos atualmente, a noção clara do que queremos para nós e dos nossos objetivos é um grande diferencial de competitividade. Nesse ambiente quem sabe para onde está indo tem vantagens em relação a quem não sabe.

As noções de objetivo e de trajetória ou caminho para atingi-lo estão associadas ao conceito de carreira profissional. Embora o tema esteja na moda verificamos que poucas pessoas de fato têm um projeto profissional consciente. Estimamos, com base em nossas pesquisas na década de 90, que apenas 2% dos profissionais brasileiros possuem esse projeto.

O que é um projeto profissional consciente? É simplesmente ter um objetivo consistente, ou seja, um objetivo perseguido com determinação pela pessoa. As ações de desenvolvimento da pessoa devem estar alinhadas a esse objetivo.

Por que as pessoas raramente estabelecem para si um projeto profissional ou perseguem consistentemente um objetivo? Constatamos que a dificuldade sentida pelas pessoas tem como origem aspectos culturais. Não há estímulos para que a pessoa reflita sobre o tema em seu lar, na formação escolar e nem no ambiente profissional. O depoimento das pessoas é geralmente “as coisas aconteceram”. Em nosso serviço de orientação, na FEA/USP, para os nossos alunos do curso de graduação, percebemos que a quase totalidade não recebeu qualquer estímulo para refletir sobre um projeto profissional.

Como decorrência dessa lacuna na formação, as pessoas pensam suas carreiras de fora para dentro. As pessoas tentam identificar as oportunidades na empresa ou no mercado de trabalho e apropriar-se das mesmas. O ideal é que as pessoas pensassem suas carreiras de dentro para fora. O ideal, portanto, seria que as pessoas identificassem o que na empresa ou no mercado poderia satisfazer seus objetivos de desenvolvimento, utilizar seus pontos fortes, atender suas necessidades pessoais e familiares e caso não existisse nada as pessoas buscarem desenvolver seus próprios espaços, suas oportunidades, novas brechas ou aberturas na empresa ou no mercado.

Fazer o movimento de dentro para fora é muito difícil quando não fomos educados para tanto, quando a nossa cultura familiar e empresarial não nos prepara para tanto. Trata-se de um investimento importante quando enfrentamos um ambiente mais competitivo e volátil. Nesse ambiente os parâmetros de sucesso são ambíguos, a realidade organizacional e do mercado turbulentas e as bases para assentar objetivos pessoais e profissionais movediças. Nesse ambiente, termos a nós mesmos como referência para o desenvolvimento e satisfação de expectativas e necessidades é fundamental e condição de sobrevivência profissional, mas infelizmente não fomos preparados para isso.

Creio que é urgente que pessoas e organizações coloquem foco em um referencial de desenvolvimento privilegiando a construção de projetos profissionais conscientes. A partir daí será mais simples pensar em processos compartilhados de desenvolvimento entre empresa e as pessoas, aprimorar processos educacionais na formação, orientar educadores e pais e, principalmente, oferecer segurança para o indivíduo na reflexão sobre seu desenvolvimento, profissão e carreira.

As pessoas que pensam suas carreiras a partir delas próprias têm melhores condições de avaliar criticamente sua relação com a empresa e com o mercado. Essa avaliação critica é que permite perceber oportunidades de trabalho e de realização profissional onde aparentemente não existe.

A avaliação crítica da carreira permite à pessoa pensar de forma mais ampla. Em nossas pesquisas verificamos que quando a pessoa está pressionada, porque perdeu o seu emprego ou porque vive uma crise profissional, tende a encarar suas oportunidades no mercado e na empresa de forma muito reduzida, normalmente a pessoa é o seu principal algoz. Pensar de forma mais ampla pressupõe segurança interna, a pessoa deve refletir sem amarras. Desse modo, podemos analisar o mercado considerando as mais variadas formas de relação de emprego e de trabalho. As pessoas podem desenvolver simultaneamente várias formas de relação de emprego e trabalho, como por exemplo: combinar docência com consultoria, palestras e negócio próprio; combinar emprego com vínculo empregatício com docência, atividade filantrópica e palestras, etc.

Devemos, ainda, considerar o mercado independentemente de nossa formação básica ou experiência profissional, normalmente esses aspectos restringem nossa reflexão, e sim pensarmos em função dos nossos pontos fortes e capacidade de contribuição. O mercado e a empresa oferecem oportunidades para pessoas capazes de contribuir e agregar valor e esse deve ser o sentido de nossa reflexão critica na empresa e no mercado.

Finalmente, devemos considerar que nossa existência no mercado de trabalho está sendo ampliada em decorrência da maior longevidade. É muito provável que tenhamos várias carreiras ao longo de nossa vida profissional e nos prepararmos para elas é muito importante. O aprendizado em relação ao nosso projeto profissional consciente não servirá unicamente para o presente momento, mas para toda nossa vida. É importante, portanto, que o coloquemos como uma prioridade em nossa agenda.

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Prof. Dr. Joel Souza Dutra é professor livre-docente da Universidade de São Paulo

Possui graduação e mestrado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – SP e doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo

Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração de Recursos Humanos, atuando principalmente nos seguintes temas: gestão por competências, carreiras, gestao de pessoas, desenvolvimento de lideranças